"Mas estou envergonhado com as coisas que vi, mas não vou ficar calado, no conforto acomodado como tantos por aí." Assim começa a segunda estrofe de "É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo", de Erasmo Carlos, uma canção que ecoa os tempos sombrios da ditadura militar no Brasil. Se você, assim como eu, teve a oportunidade de assistir ao filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, certamente ouviu essa música ressoar como um lamento, um grito de resistência silencioso.
O filme narra a história real de Eunice e Rubens Paiva, figuras emblemáticas de um período marcado por repressão e censura. Rubens Paiva, deputado e crítico do regime, é capturado e desaparece misteriosamente, uma tragédia que simboliza a brutalidade de uma era que muitos preferem esquecer.
Sem revelar spoilers, compartilho aqui as emoções que me assolaram ao assistir, e reassistir, a essa obra dilacerante. Walter Salles, com sua direção sensível e poderosa, expõe de maneira sutil e dolorosa os horrores da ditadura, convidando o espectador a refletir sobre a importância da memória. Por que insistimos em lembrar? Porque sem memória, não há aprendizado.
Para mim, que tenho apenas 24 anos, o filme oferece uma janela para um passado que não vivi, mas que marcou profundamente a vida de minha avó e bisavós. O medo velado, a constante sensação de perigo iminente que Elis Regina capturou em "Como Nossos Pais" — tudo isso é palpável na narrativa de "Ainda Estou Aqui". O filme recria a atmosfera sufocante de um Brasil onde a liberdade era uma ameaça e o silêncio, uma arma de sobrevivência.
A Comissão Nacional da Verdade contabilizou 437 mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura, além de cerca de 1.800 pessoas torturadas — ainda que muitos acreditem que os números reais possam ser ainda maiores. Cada uma dessas 437 histórias representa uma vida interrompida, uma família destroçada. E é exatamente isso que o filme traz à tona: a história de Rubens Paiva, um homem complexo que, de repente, é arrancado de sua casa e nunca mais retorna. O que resta para os que ficam? Como seguir em frente diante de tamanha perda?
"Ainda Estou Aqui" não é apenas um filme, mas um convite à reflexão. Será que a nossa geração seria capaz de resistir a uma ditadura? Estamos repetindo os erros do passado, apagando nossas próprias histórias? Afinal, eles ainda estão aqui — e nós também. A diferença crucial é que nós estamos sem memória.
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