Eu não lembro de muitas coisas da minha infância com exatidão. As lembranças chegam como recortes borrados, flashes que surgem e desaparecem sem cronologia, como se meu cérebro estivesse escondendo algo de mim. Por muito tempo, isso me inquietou. Tentei cavar fundo na memória, entender por que minha história parecia um quebra-cabeça com peças faltando. Será que esqueci por escolha? Será que alguma parte de mim decidiu não lembrar? Hoje, aos 25 anos, percebo que talvez eu não precise mais dessas respostas. Porque, mesmo que faltem cenas, o que ficou é forte demais para ser apagado: as sensações, os afetos, os vínculos. Lembrar com nitidez é um privilégio que nem todos têm, mas sentir que fui amado, cuidado, acolhido… isso está vivo em mim. Quando penso na minha origem, entendo muito sobre quem me tornei. Nasci num mundo onde, muitas vezes, os papéis já estão escritos antes mesmo do nosso primeiro choro. Onde a sociedade olha pra gente e tenta dizer quem devemos ser, como devemos andar...