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Mostrando postagens de maio, 2025

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O que permanece quando a memória falha?

Eu não lembro de muitas coisas da minha infância com exatidão. As lembranças chegam como recortes borrados, flashes que surgem e desaparecem sem cronologia, como se meu cérebro estivesse escondendo algo de mim. Por muito tempo, isso me inquietou. Tentei cavar fundo na memória, entender por que minha história parecia um quebra-cabeça com peças faltando. Será que esqueci por escolha? Será que alguma parte de mim decidiu não lembrar? Hoje, aos 25 anos, percebo que talvez eu não precise mais dessas respostas. Porque, mesmo que faltem cenas, o que ficou é forte demais para ser apagado: as sensações, os afetos, os vínculos. Lembrar com nitidez é um privilégio que nem todos têm, mas sentir que fui amado, cuidado, acolhido… isso está vivo em mim. Quando penso na minha origem, entendo muito sobre quem me tornei. Nasci num mundo onde, muitas vezes, os papéis já estão escritos antes mesmo do nosso primeiro choro. Onde a sociedade olha pra gente e tenta dizer quem devemos ser, como devemos andar...

KM2 da Ebony é insistência, não superação - Resenha

Ela não veio pra pedir licença. Foi o que pensei assim que dei play em KM2 , o novo álbum da Ebony. Desde os primeiros segundos, fica claro: ela não veio pra agradar. Não veio pra se explicar. Veio como quem conhece o corre, carrega o peso — e ainda assim, se permite flutuar. KM2 não é só o terceiro disco da Ebony. É um manifesto. Um retrato cru da travessia entre quem não tinha nada e, agora, parece ter tudo, mas sabe bem o quanto se perde quando se ganha. Ou, como ela própria sintetiza em Vale do Silício : "Entre águias você é presa se está em outro ninho." É Ebony se olhando no espelho, encarando os próprios monstros e dizendo: "tô viva e isso não é pouca coisa."   O que ela faz aqui vai além da música. É exposição de cicatrizes, é relato íntimo em forma de verso e flow. KM2 soa como diário, mas também como grito coletivo. Tem dias em que ela quer sumir. Em outros, dominar o mundo. E entre esses extremos, ela constrói uma narrativa de sobrevivência urbana, em...

Aprendi que nem sempre dá para salvar quem não quer ser salvo

Demorei muito tempo para aceitar uma verdade incômoda: pessoas profundamente infelizes com a própria vida dificilmente conseguem enxergar beleza, leveza ou alegria em qualquer coisa. É como se a tristeza criasse uma lente escura sobre os olhos, uma lente que distorce tudo, que contamina até mesmo os gestos mais sinceros. Não importa o quanto você se esforce, o quanto caminhe com cuidado, ofereça atenção, carinho, presença. Para essas pessoas, sempre haverá algo de errado. Um olhar será mal interpretado. Uma palavra será distorcida. Um gesto será julgado. E isso, invariavelmente, se transforma em motivo para atrito. Com o tempo, percebi que não é uma questão de justiça, reciprocidade ou merecimento. É uma questão de sofrimento interno. Uma dor tão crônica que se tornou invisível para quem sente, mas insuportável para quem convive. A pessoa ferida passa a ferir. A pessoa frustrada projeta sua frustração em tudo e em todos. E nada do que vem de fora é suficiente, porque o buraco está por ...